Por José Gonçales Júnior

 

O homo sapiens sapiens tornou-se o grande vencedor na conquista do planeta e do futuro. De acordo com o renomado historiador Yuval Noah Hararia “Revolução Cognitiva foi o ponto de virada no qual o ser humano tornou-se independente de suas limitações biológicas”, liberando energias mentais enormes para promover invenções que os colocassem no topo da biodiversidade terrestre.

A partir do momento em que realizamos a “Revolução Cognitiva” há 70 mil anos atrás, adquirimos duas grandes forças transformadoras, na qual passamos a usar desde então a nosso favor:
1. O aprimoramento constante do conhecimento e das invenções que o nosso genial cérebro nos proporciona
2. O desenvolvimento de um sofisticado sistema de relacionamento social, seja através da empatia e da incorporação de códigos de comportamento grupais

O resultado dessas duas poderosas características pode ser visto na perpetuação da espécie humana, especificamente a nossa, sobre todas as outras espécies e sobre o ambiente natural do planeta nos últimos milênios.

É sobre essas duas grandes forças que gostaria de refletir aqui:
Uma delas nos dotou da incrível capacidade criativa e inventiva, nos levando a criar desde a revolução agrícola (há 10 mil anos atrás), três revoluções industriais nos últimos 300 anos e uma quarta revolução em andamento.

A outra, nos dotou da capacidade de criar cidades organizadas, estados – Nação, instituições de ensino superior milenares, e uma das obras-primas dessa capacidade: a grande corporação.

Falando a respeito da primeira força destaco a importância do potencial criativo humano para criar equipamentos e ferramentas, que cada vez mais substituem nossa força de trabalho.

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4 Revoluções
Na Primeira Revolução Industrial o tear a vapor promoveu o rompimento com o milenar trabalho artesanal. Na Segunda atrelamos o homem à máquina e ao tempo. A máquina e seu ritmo produtivo acelerado libera o tempo e gera capital para parte da mão de obra investir em novas tecnologias e formas de produzir. E desse ciclo, fatalmente surge a Terceira Revolução Industrial, incorporando as telecomunicações e a computação na construção de modernos sistemas de comandos: criação de bancos de dados e aprimoramento das pesquisas em ciência da computação que viria a ser nas últimas quatro décadas na vedete da tão aclamada “Indústria 4.0”.

Há inúmeros benefícios trazidos por essas quatro revoluções, como a liberação do humano do trabalho mais extenuante e consumidor de tempo, ou a melhora da qualidade de vida de bilhões de pessoas em todo o planeta.

Porém nesse presente artigo, que inaugura uma série de outros, quero chamar a atenção para um tema que considero importante, para pensarmos sobre a qualidade dos nossos relacionamentos, e consequentemente qualidade de vida, de todos nós nesses tempos de acelerada inventividade, a inteligência artificial, as máquinas de deeplearning, a automoção, a singularidade. Trato aqui a respeito dos limites entre a pessoa (o indivíduo) e o coletivo, entre o que é ético ou não em tempos onde as redes sociais e as mídias digitais difundem pensamentos hegemônicos e fakenews levando milhares de pessoas à manipulação da mente.

Individualidade, crenças e visões
A evolução humana desde antes do período neolítico sempre colocou à prova o dilema coletivo x indivíduo. Até onde vai nossa individualidade, incluindo nossas crenças e visões de mundo, diante da necessidade de agregarmos a um grupo e assim sobreviver e se perpetuar?

A necessidade de sobrevivência levou o ser humano a se submeter a grupos e tribos que impõe pensamentos hegemônicos e fidelidades às crenças do grupo.

No nosso passado pré-histórico sobreviver e se desenvolver no planeta trazia no âmago da proposta a submissão aos códigos de conduta, aos costumes, hábitos e protocolos das tribos em que vivíamos, o que colaborou para que surgissem as grandes instituições humanas da história, e entre tais a corporação – a empresa moderna.

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A empresa moderna
Inevitavelmente esse empreendimento humano se mostrou altamente eficaz não somente em sobreviver e se perpetuar, como também em inventar produtos e serviços cada vez mais sofisticados, além de ter criado no último século um sistema global altamente integrado e complexo.

A eficácia tecnológica, inventiva e financeira do trabalho grupal, consagrou a hipótese do potencial criativo do trabalho em equipe, mas é preciso resgatar nesse contexto que a inventividade e criatividade, por vezes rebelde do indivíduo, foi a força motriz de boa parte das invenções humanas: gente geralmente considerada “fora da curva”, “outsiders”, “rebeldes”, ou mesmo “desordeiros”, trouxeram em sua bagagem invenções e teorias incrivelmente inovadoras e disruptivas, e que por vezes, não eram aceitas em seus respectivos grupos e sociedades.

Os inventivos e a transformação
Nomes como Einstein, Tesla, Thomas Edison, Darwin, Henry Ford, Steve Jobs e muitos outros, criaram além de desconfortos e intensos debates com seus pares, invenções que mudaram o rumo da humanidade.

Isso comprova que nem sempre a concordância e obediência irrestrita do indivíduo aos grupos, sejam eles científicos, religiosos ou corporativos, promovem liberdade e condições ideais para a liberação da capacidade inventiva humana.

É nesse contexto que podemos acreditar que mesmo em tempos de forte apelo a capacidade inventiva da inteligência artificial, do crescimento do espírito corporativo e das modernas estratégias de management, podemos ainda ter certeza de que o indivíduo continuará sendo o centro de toda criação e inventividade, pois o cérebro humano sempre foi e será ímpar na capacidade de dar novas formas e gerar invenções que melhore a sua relação com os outros e com o planeta.

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O binômio “genialidade individual” e “trabalho em equipe” deverá ser cada vez mais levado em conta e aperfeiçoado em tempos nas quais discursos, pensamentos e teorias hegemônicas rondam por entre governos, empresas, a ciência e a sociedade.

Empresas deverão aprender cada vez mais a incluir o diferente, o não hegemônico:

  • O individuo crítico
  • O gênio excêntrico
  • O desorganizado criativo
  • O “outsider”
  • O “fora do padrão”
  • O explorador do futuro
  • O pensador
  • O reflexivo

E tantas outras diversidades de manifestação da personalidade e do caráter humano, pois devem sempre se lembrar que foram estes, que ao longo da história, deram asas e condições para a perpetuação da espécie humana e o crescimento qualitativo da mesma sobre o planeta.

Afinal neste quesito somos iguais a natureza: na biodiversidade encontramos nossa força para evoluir e resistir em tempos difíceis e de improvável continuidade.

Qual empresa hoje aguardaria por centenas de erros de um funcionário, para que ele pudesse trazer literalmente uma lâmpada sobre a humanidade?

Que conselho de administração de uma empresa de petróleo ouviria as ponderações sobre novos tipos de geração de energia do senhor Tesla?

Que empresa de agrotóxicos contrataria perfis de funcionárias com o senso crítico e a sensibilidade ambiental de Rachel Carson (“Primavera Silenciosa”)?

Que corporação que lança milhares de toneladas de CO2 na atmosfera teria Greta Thunberg em seu conselho de administração?

Que as novas tecnologias informacionais não ofusquem, nem roubem a cena de nossa individual e coletiva biodiversidade criativa e inventiva. Um brinde ao genial indivíduo e toda sensatez e equilíbrio ao coletivo.

Continua no próximo artigo. Em breve!

 

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José Gonçales Junior é geógrafo pela USP, MBA em Sustentabilidade (EAESP-FGV), pós-graduado em Neurociência Comportamental (PUC-RS), consultor em ESG e Bem-estar no mercado corporativo. Lecionou 15 anos em cursos de pós-graduação (SENAC, INPG, Faculdades Metropolitanas de Campinas, Ibmec Campinas), palestrante, mentor de mudança de carreira e implantação de parâmetros de bem-estar, estudioso apaixonado pelos temas Neurociência, Mudanças de Comportamento e Futuro do Trabalho. Mora com a família em um silencioso sítio em Vargem Grande Paulista, interior de São Paulo, onde dedica-se a família, a mentorias, consultorias, pesquisas e a escrever. É colunista EA “Carreira e Bem-estar”.

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