Por Thierry Cintra Marcondes
Este último mês de março ficou na história, como também repleto de oportunidades para reflexão e celebração. Desde o barulho do carnaval, passando pelo Dia Mundial da Audição em 3 de março, até o reconhecimento ao cinema brasileiro no Oscar e o maior festival de inovação do mundo, o SXSW, agenda repleta de insights de inovação. Um destaque que conecta essas ocasiões é a importância de *audição, comunicação e acessibilidade*.
Quero falar de cinema e descanso levando a refletir sobre a questão das legendas.
Como pessoa surda, vivenciei de perto os desafios relacionados à falta de acessibilidade, especialmente no que diz respeito às legendas. Acessibilidade não é apenas uma questão de inclusão social, mas também uma oportunidade de negócio. Vamos explorar por que isso importa.
Legendas como solução e estratégia
Durante o Oscar, enquanto muitos celebraram as conquistas do cinema brasileiro, eu não consegui assistir a alguns filmes devido à ausência de legendas. Essa experiência me fez refletir sobre como o simples ato de oferecer opções de legendagem poderia ampliar o alcance e o impacto de conteúdo cultural.
Hoje, as plataformas de streaming, como Netflix e Amazon Prime, frequentemente oferecem legendas, mas é necessário ir além: permitir escolhas entre idiomas, audiodescrição e, acima de tudo, garantir a inclusão de todos os públicos.
Acessibilidade é você deixar todas as ferramentas disponíveis.
Um dado impressionante de um estudo feito pela Meta, dona do Facebook e Instagram, que demonstra o impacto disso: estudos mostram que 86% das pessoas assistem vídeos curtos sem som. Sem legendas, o conteúdo simplesmente não engaja — e o usuário pula para o próximo vídeo. Por outro lado, vídeos com legendas têm 30 vezes mais engajamento.
Isso é acessibilidade traduzida em retorno estratégico.
E quantas vezes você com insônia ou não quer incomodar seu parceiro e pode assistir um filme, fazer um treinamento só olhando pelas legendas.
Experiência do cliente e perda de oportunidades
Permitam-me compartilhar uma experiência pessoal. Ao tentar assistir a um filme nacional no cinema, minha esposa perguntou se havia legendas. O atendente, surpreso, respondeu que filmes nacionais não precisavam de legendas.
Essa atitude quase fez o cinema “perder” quatro clientes (eu, minha esposa e mais dois amigos). A acessibilidade é essencial, não apenas por uma questão ética, mas porque clientes satisfeitos e inclusos impulsionam o negócio.
Dados de consultorias revelam que pessoas com deficiência no Brasil movimentam 52 bilhões de reais por ano. Esse montante é ainda maior quando consideramos o impacto nas decisões de amigos e familiares — um potencial de mercado 3 a 4 vezes superior. Não incorporar acessibilidade é perder receita e relevância.
Mas no cinema alguns filmes estão com aparelho que tem libras e legendas e até existe um aplicativo no celular que gera legendas, mas temos que pensar na experiência do cliente, torcia para se fosse mais cenas de ação para que pudesse acompanhar e sem que ficasse olhando para o aparelho.
O que faz uma boa legenda?
Mais do que transcrever falas, uma boa legenda é descritiva e detalhada.
Ela deve incluir sons do ambiente, como:
– Barulho de chuva
– Passos se aproximando
– Latidos de cachorro
– Indicação de quem está falando
Esses detalhes não são triviais. Criam imersão, permitindo que pessoas surdas compreendam e vivenciem plenamente a experiência audiovisual.
A mesma lógica se aplica a diferentes contextos: em bares e restaurantes, por exemplo, muitas vezes não consigo identificar o som ambiente ou ajustar minha entonação de fala sem ajuda.
Uma descrição sonora agrega valor e transforma a experiência.
Conclusão: acessibilidade é negócio
Incorporar legendas e outras ferramentas de acessibilidade não é apenas cumprir com uma responsabilidade social.
É criar engajamento, fidelização e impacto financeiro.
Empresas que reconhecem isso se destacam no mercado e constroem marcas que refletem inovação e empatia.
Que o mês de março continue sempre a inspirar reflexões não apenas sobre saúde auditiva e inclusão, mas também sobre como podemos transformar acessibilidade em uma poderosa estratégia de negócio.
No próximo falarei de eventos, carnaval, saúde auditiva.
Thierry Cintra Marcondes é especialista em inovação, acessibilidade e impacto, com experiência em futurismo, tendências e desenvolvimento de tecnologias. Professor convidado na Fundação Dom Cabral, atua em cursos para executivos com foco em ESG e Inovação. Conselheiro em empresas e ONGs, é engenheiro mecânico (Unicamp) e fundador das startups Evolucar e Ávitus. Liderou programas de Acessibilidade na Accenture e Indústria 4.0 na L’Oréal, com vasta experiência em lançar produtos e promover acessibilidade como estratégia de negócio. Defende a inclusão dos surdos como catalisadores de novas tecnologias. Colunista EA “Vida acessível”.
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