Por Carolina Giachini

 

Na última semana, durante uma conversa com uma gerente de RH de um grande grupo empresarial de São Paulo, recebi um relato que mostra, de forma urgente, o que já não pode mais ser ignorado dentro das empresas.

Ela me contou, visivelmente abalada, que foi chamada para socorrer uma funcionária no meio do expediente. Essa colaboradora, que nunca havia apresentado sinais evidentes de afastamento, absenteísmo ou problemas de desempenho, estava no chão do escritório, em uma crise aguda de ansiedade. Ela mal conseguia respirar, estava prestes a desmaiar, e incrivelmente, ninguém ao redor sabia como agir. Nenhum treinamento, nenhum preparo, nenhuma orientação. O episódio deixou a equipe inteira assustada.

O que mais chamou atenção dessa gerente foi a pergunta que ficou ecoando depois do susto: “O que mais está acontecendo aqui que eu não estou conseguindo ver?”

Esse é o ponto central. As doenças mentais estão cercando silenciosamente os ambientes de trabalho. Não são apenas números frios nos relatórios de afastamento.

Elas se manifestam no presenteísmo, ou seja, quando o colaborador está fisicamente presente, mas mentalmente exausto e improdutivo. Se mostram no aumento de atrasos frequentes, na falta de criatividade, na redução da capacidade de resolver problemas simples. A mente desses profissionais já está em modo sobrevivência, e o impacto disso, cedo ou tarde, “explode” dentro da organização.

Os dados só confirmam o que já estamos vivendo. Segundo o INSS, em 2023, mais de 80,5 mil pessoas foram afastadas por ansiedade, sendo quase quatro mil casos relacionados diretamente ao ambiente de trabalho. Além disso, vivemos uma marca histórica: a Síndrome de Burnout passou a constar na Classificação Internacional de Doenças da OMS em maio de 2019, e a ansiedade foi incluída oficialmente como doença do trabalho pelo Ministério da Saúde em 1º de janeiro de 2023.

Mas talvez o dado mais alarmante seja silencioso: milhões de pessoas estão adoecendo sem nunca chegar ao ponto do afastamento.

Estão adoecendo no expediente, no e-mail respondido à meia-noite, na reunião onde faltam palavras, no cansaço crônico disfarçado de comprometimento.

Costumo dizer que muitos gestores evitam olhar para esse problema por medo do que podem encontrar.

E é verdade: quando diagnosticamos, as dores aparecem. Mas essas dores já estão ali, mesmo que você não queira ver. Ignorá-las não fará com que desapareçam, pelo contrário, quanto mais tempo demorarmos para agir, maior e mais caro será o problema.

Saúde mental não pode mais ser tratada como campanha de Setembro Amarelo ou ação pontual no Dia do Colaborador. Precisa ser parte da estratégia corporativa. Não para cumprir protocolo, mas para garantir performance sustentável, clima organizacional saudável, retenção de talentos e reputação de marca.

“Tapetinho de yoga”, “maçãzinha orgânica” e “workshop de mindfulness”.

Lindo na teoria, mas na prática não é o suficiente. Não é, pois existem fatores externos do trabalho que também impactam no processo de adoecimento.

A famosa “geração sanduíche” que precisa “dar conta” de pais idosos, de filhos pequenos, de manter as finanças em dia, de malhar, de fazer seis reuniões por dia, de não surtar. É desafiador sim, ainda mais se está sozinho (a) na jornada.

Quando uma colaboradora desaba no meio do escritório, não é apenas a saúde dela que está em colapso, é um sistema inteiro que já vem falhando há muito tempo.

A pergunta que fica para líderes, RHs e empresas é simples, mas urgente: O que você está esperando para enxergar o que já está aí?

 

carolina - A dor silenciosa que habita o ambiente de trabalho

Carolina Giachini atua como consultora na Equinox, utilizando a neurociência para promover o bem-estar corporativo por meio da redução de estresse, ansiedade e burnout. Com experiência em gestão de equipes e carreira corporativa na área comercial, sua abordagem prática integra formação em Neurobusiness, Neurociência do Comportamento, Farmacologia Clínica e Mindfulness. Nos últimos quatro anos, impactou mais de 1.500 profissionais, orientando lideranças e colaboradores em foco, concentração e gestão emocional. Colunista EA “Mente corporativa”.

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