MUNDO MULTITELAS | Filipe Souza Leão

 

A segunda tela é coisa do passado, estamos nos adaptando ou desadaptando. Foco, o que é isso? As telas, a ansiedade. Uma criança de mais ou menos dois anos chora  sentada à mesa de um restaurante, chora muito, mesmo após ser alimentada. Os pais discutem e logo chegam a um consenso, eles precisam comer, então tiram o tablet da bolsa. Não precisam desbloquear, não precisam tocar na tela, a criança sabe a senha e sabe o que quer e imediatamente ao avistar o aparelho para de chorar.

Um casal janta em silêncio, saboreando o Instagram, enquanto na TV um programa ganha a atenção vez ou outra, dependendo da fala do apresentador e do entrevistado. Depois eles assistirão um filme, qual filme? Ele procura na Netflix, no smartphone, ela no Telecine Play, no smartphone, dela, para depois espelhar na TV. Eles navegam e não sabem o que escolher. Desculpa, tive que parar de escrever para responder uma mensagem no meu Whatsapp, no meu smartphone, ainda que ele, o Whatsapp, esteja aberto no meu desktop. Desktop, Smartphone, Tablet, Laptop.

Filme no cotidiano

 Voltemos ao casal, não o mesmo casal que almoçava com a criança de dois anos que agora não está chorando, mas o casal do filme. Eles escolheram. O filme. Estão assistindo, mas é preciso dar uma paradinha. No filme. Chegou uma mensagem de áudio importante sobre o trabalho amanhã, mas poderia ser uma mensagem no grupo dos amigos. Continua, continua o filme. O diretor gosta de cenas longuíssimas e silenciosas, entedia? Não sei se o nome é tédio, mas pouca informação está chegando ao cérebro. O feed do Instagram serve enquanto não chega uma cena em que algo de útil realmente acontece, o que acontece? O que aconteceu? Não sei.

A esteira vai mais rápido, mais rápido, mais rápido, é preciso correr e se movimentar se quiser compensar as horas sentado no escritório.

Em frente à tela, olhando vez ou outra para a tela menor. Com a velocidade ajustada a esteira corre enquanto um grupo de surfistas cruza a África em busca das ondas perfeitas. Ao lado dos surfistas, uma partida de Rugby, ao lado da partida de Rugby, a Regina Duarte.

Aula PNL

 Nada interessa, nada importante. Talvez importante seja a aula do curso de PNL no celular, meia hora, o tempo exato, uma aula atrasada, sempre atrasada. Tic tac. Coelhos, cogumelos, a criança assiste no tablet lá no restaurante durante o almoço, agora tranquilo, dos pais. Mais uma parada para ver meu e-mail. Confirmaram uma reunião na segunda-feira, mais uma reunião. Aproveito para olhar o Instagram, os stories, o feed, ainda tem uma matéria aberta que minha sócia enviou para que lesse, mais tarde, agora, o Instagram para que eu possa parar um pouco de escrever e decidir os rumos que este texto deve tomar.

Criado-mudo

 Ah, lembrei, o filme terminou, o casal foi pro quarto, fizeram sexo, e agora olham o celular pela última vez antes de apagarem a luminária em cima do criado-mudo. Talvez por causa dessa noite se tornem pais, como os que agora tentam acalmar a criança porque precisaram tirar o tablet das mãos dela enquanto vão até o carro.

Bom, eu preciso terminar este texto. Quantas telas abertas neste momento enviando e recebendo coisas, eu não sei? Sei que preciso fazer um roteiro e depois produzir um vídeo que prenda a atenção das pessoas. Infelizmente, não é uma criança de dois anos durante um almoço no restaurante que assistirá o vídeo em que estou trabalhando, é um conteúdo para uma empresa, para adultos, talvez o meu público seja o casal que agora dorme ao lado dos seus smartphones recarregando.

Esse vídeo precisa funcionar bem nesses smartphones que recarregam as baterias durante a noite, precisa ser interessante para que a pessoa não saia rolando o feed do Instagram, precisa ser interessante, relevante.

O que é realmente relevante? Eu ainda vou descobrir. Daqui a pouco volto pra contar.

filipe souza - O desafio de viver e criar em e para um mundo multitelas

Filipe Souza Leão é escritor, multimídia e coordenador de conteúdo na agência Bufalos.

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