Por Jôsy Andrade

 

Parecia ser impossível passar um ano sem trabalhar, podendo passear, descansar, estudar, curtir minha filha, conhecer países e culturas. Aos 28 anos eu fui mãe, mas não era casada. Isso me fazia ter responsabilidade dobrada. Eu morria de medo de ser demitida e não ter dinheiro para cuidar da minha filha. Eu trabalhava incansavelmente dia e noite e vivia com medo de não ter o suficiente. Por isso que eu guardava dinheiro para quando faltasse e não para realizar meus sonhos.

Quando entrevistava profissionais que contavam suas experiências em período sabático eu sempre pensava lá no fundo: 

“Será que a família bancou?” 

“Nossa que mágico. Ela acordava e saia de bike para um lugar aleatório” 

“Como assim ficou pela Europa de trem e sem trabalhar?”

Esse era meu sonho de princesa. Um dia, voltando do Uruguai assisti no avião o documentário de um vilarejo na Espanha, lugar com muitos rituais, comidas, festas e música. Mulheres e crianças cozinhavam e dançavam e tinha uma estrutura meio artesanal de produção de alimentos e bebidas. Tipo slow life. Eu tinha encontrado meu lugar dos sonhos.

Passei a olhar para meu dinheirinho com a possibilidade de ter esse tempo com a minha filha. Tempo que me faltava na rotina que eu tinha. Naquela época eu ocupava um cargo América Latina e tinha uma rotina de viagens meio intensa. Lembro que uma vez viajei no domingo dia das mães por volta das 14 horas. Precisei me apresentar no aeroporto três horas antes e fui chorando porque não curti o Dia das Mães nem com a minha mãe e nem com a minha filha. Me achava a pior mãe do mundo.

Logo depois, em 2013 eu conheci meu marido, José Andrade. Poucas semanas depois, ele me falou que seria aprovado no programa de doutorado sanduíche e que escolheria o serviço do Medizinische Hochschule Hannover, na Alemanha, maior centro de reabilitação auditiva da Europa. Foi aí que ele me convidou pra acompanhá-lo. Iríamos nós três, ele, eu e a minha filha.

Apesar de eu nunca ter sonhado aprender alemão, adorei a ideia! Era uma cultura que eu desconhecia e chance de me conectar com pessoas, estilos de vida inéditos e ter a possibilidade de viajar de trem pela Europa me fizeram passar a sonhar esse sonho.

Contei para meu diretor, Ricardo Silvarinho quase seis meses antes e começamos a trabalhar em um plano de transição robusto em silêncio, sem contar para ninguém. Acho que essa foi a parte mais difícil, porque eu estava tão feliz e queria compartilhar com as pessoas os planos e projetos, mas tinha que ficar de boca fechada. Mas confiei muito na condução do meu líder e apesar de estar doida para falar do que logo mais aconteceria, entendia e aceitava os direcionamentos dele. Contamos para meus pares no happy hour de Natal e no dia seguinte, praticamente véspera das férias coletivas contamos para minha equipe e, posteriormente os outros gerentes comunicaram todo RH. Nessa época faltava praticamente um mês para a minha viagem.

Como planejar seu sabático:

Decidimos embarcar para Alemanha 14 meses antes da data planejada. Isso me deu tempo para organizar com tranquilidade algumas coisas, fazer no desespero outras e deixar outras pra trás. Vou compartilhar alguns dos meus principais aprendizados aqui:

  • Planeje seu orçamento:

Essa é a principal preocupação que você ter. Especialmente se o seu destino tiver uma moeda mais cara que o real. Eu buscava informações de preço de custo de vida (moradia, alimentação, energia/aquecimento, lazer, educação, etc) para entender quanto eu teria que dispor mensalmente para viver com tranquilidade. Eu tinha uma reserva para emergência que me trazia paz, caso muitas coisas dessem errado. 😐

  • Conheça as regras de visto e imigração do país escolhido:

Cada profissão ou cada objetivo pode ter uma regra diferente. Meu marido precisou de um visto de médico com autorização temporária para serviços médicos. Eu optei por ir como estudante e minha filha foi na mesma modalidade. Viajei com toda documentação recomendada pelo Consulado Alemão, mas como eu não tinha a guarda oficial da minha filha, já na Alemanha, precisei contratar advogado no Brasil para formalizar a guarda judicialmente, traduzir e enviar para compor os documentos da minha filha. Ficou caro, mas deu certo.

  • Busque um tradutor juramentado:

É fundamental chegar no país com todos os seus documentos traduzidos por um tradutor juramentado. O serviço de imigração alemão não tinha a menor paciência para falta de documentos. Além disso, você fica horas em pé em uma fila cada vez que agenda horário. Ninguém quer perder um dia assim, não é mesmo?

  • Visite amigos e familiares. Deixe-os saber como são importantes para você:

Acho que nunca fiz tanto “bota-fora” como nessa mudança. Eu recebi muitas pessoas na minha casa, visitei muitas pessoas e me despedi de quem eu achava que não veria novamente, como minha tia Clarinha, que partiu no mês seguinte da minha mudança.

  • Decida o que fazer com as suas coisas (imóvel, móveis, roupas, livros…) e desapegue!

Esse desapego foi um aprendizado e tanto na minha vida. Eu adorava meu apartamento, um lugar onde fui feliz, morei com a minha filha e recebia meus amigos frequentemente. Deixei meu apartamento em boas mãos, alugado para um amigo de empresa. Doei muuuitas coisas para a Cruz Vermelha, igreja do bairro, amigos e familiares. Mas você larga muita coisa pra trás.

  • Contrate um seguro saúde local

Viajei com seguro saúde, tipo os seguros viagem por 12 meses. Foi uma paulada em dólar, na época. Mas deu muita dor de cabeça. Eu quebrei o pulso jogando futebol, minha filha torceu o tornozelo, tive um problema de coluna e fiquei hospitalizada uns 5 ou dias, além da gestação. Deu dor de cabeça do início ao fim. Se fosse hoje, teria seguro viagem para os primeiros dias, primeiras semanas, se fosse obrigatório eu contrataria localmente.

  • Entenda o funcionamento das regras de locação de imóveis no país que você escolheu:

Viajamos com algumas visitas de imóveis agendadas e uma reserva de 7 dias no Ibis mais próximo do hospital que meu marido ia trabalhar. Logo de cara, já deu pra ver que ia dar ruim: 3 pessoas, 9 malas em um quarto do Ibis. 😲 No dia da primeira visita, saímos mais cedo, porque ainda não sabíamos andar pela cidade e, por isso, chegamos cedo. Fomos super bem recebidos e já estávamos quase comemorando a oportunidade quando o dono do apartamento abre a porta e entram tipo uma meia dúzia de casais visitando. Fomos engolidos com nosso alemão básico. Danker.

  • Faça uma saída excelente do seu trabalho:

Converse com a sua liderança, organize sua área e entregue absolutamente tudo o que tiver no seu pratinho. O sabático acaba e a sua imagem fica. Seja responsável. Essa dica vale ouro.

  • Busque as experiências e a qualidade de vida que deseja ter:

Apesar de eu ter feito um ajuste no meu destino, pude viver exatamente o meu sonho: viver a vida, sem pressa, com a minha família. Eu sempre tinha tempo e sempre estava disponível pra mim, para minha família e para estudar alemão, que se tornou um desafio apaixonante!

  • Viaje de cabeça e coração aberto:

Eu estava em outro país, com outra cultura, outras crenças e acreditava que tinha que me “comportar” como se tivesse de visita na casa de alguém: você aproveita a estadia, mas respeita as regras.

Neste vídeo, você vê uma amostra das aventuras que curti com a minha filha. Acesse aqui

 

Josi bio - 10 dicas para você planejar o seu ano sabático

Jôsy Andrade é consultora de Carreira. Psicóloga (Universidade Mackenzie) com especialização em Administração de RH (FGV-SP) e MBA-RH (FIA/USP). Psicoterapeuta Junguiana (IJBA – Instituto Junguiano da Bahia), coach certificada e em processo de acreditação (ICF – International Coaching Federation). Como executiva atuou por 20 anos em RH em empresas como a Saint-Gobain, Integration, Diageo, AES Brasil e XP. Fundou a Futuro da Carreira, que em dois anos, já realizou mais de 2.000 horas de consultoria para pessoas físicas e empresas, como CTN, Endeavor Brasil, Volcafe e Ardagh. Colunista EA “Carreiras do Futuro”.

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