Por Thierry Cintra Marcondes

 

É com grande alegria que me torno colunista da EA Magazine. Minha jornada tem sido marcada por desafios e conquistas, e quero compartilhar um pouco da minha história com vocês.

Para que vocês possam me imaginar melhor, eu sou um homem branco, com cabelos compridos e cacheados na altura dos ombros, de cor castanho claro. Uso óculos grandes e barba, e no momento estou vestindo uma camisa de gola azul. Sou uma pessoa com deficiência, tenho a síndrome de Usher, o que significa que nasci surdo e, na fase adulta, desenvolvi retinose pigmentar*, resultando em cegueira noturna e um afunilamento do campo periférico de visão.

Meus desafios

Uma pergunta que sempre me fazem é quais foram os maiores desafios da minha carreira. Eu tive vários, em cada etapa da minha vida. Quero começar pela primeira grande etapa: minha infância. Foi uma fase bem importante, pois a falta de acessibilidade dificultava muito minha interação e participação. Muitas escolas não me queriam, alegando falta de infraestrutura ou de intérpretes de Libras.

A insistência da minha mãe e o apoio da minha família foram cruciais.

Minha mãe buscou o melhor diagnóstico e as melhores ferramentas para que eu pudesse participar plenamente de todas as atividades.

A grande mudança aconteceu quando fui morar fora do Brasil. Lá, o professor e o diretor me receberam, perguntaram como eu aprendia e se esforçaram para me fornecer os melhores aparelhos auditivos. Isso me ensinou a importância da cultura e da tecnologia na inclusão.  Com cultura de acolhimento, posso me sentir pertencente e seguro, o que é fundamental para meu desempenho.

Superando desafios no mercado de trabalho

Com o mercado de trabalho também enfrentei grandes desafios. Quando me formei, há 10 anos, o cenário era bem mais difícil. A cultura da meritocracia predominava e muitas empresas não estavam preparadas para me acolher. No meu primeiro estágio na indústria química, fui deixado de lado por não escutar. Porém, a situação mudou com o tempo. A última empresa em que trabalhei, a L’Oreal, se preocupou com todos os espaços e infraestrutura, me proporcionando segurança e condições para desempenhar minhas funções plenamente.

A luta contra o capacitismo

A primeira coisa que vocês devem saber sobre pessoas com deficiência é sobre capacitismo.

Nós somos capazes de muitas coisas, só precisamos de uma oportunidade. Muitas vezes, as pessoas acham que capacitismo é apenas evitar termos pejorativos como “João sem braço” ou “você está cego”. Embora eliminar esses termos seja essencial, o capacitismo vai muito além. Ser capacitista é não dar oportunidades às pessoas com deficiência, não fornecer as ferramentas necessárias para que possam exercer suas capacidades.

O capacitismo pode estar escondido em elogios como “Você hiperforma super bem, mesmo com sua deficiência”. A deficiência é uma característica minha, não define quem sou.

Outro exemplo é o superprotecionismo que, embora bem-intencionado, pode limitar a independência da pessoa com deficiência. Minha mãe, por exemplo, foi fundamental para buscar diagnósticos e tecnologias, mas em alguns momentos seu superprotecionismo me impediu de aprender a fazer coisas básicas, como descascar uma laranja.

Contribuindo para a comunidade

Após ganhar visibilidade com um prêmio no Vale do Silício, percebi a necessidade de ajudar outras pessoas com deficiência, especialmente surdas. Assim, me especializei na área, criando o workshop “Empatia do Silêncio” junto com Milena Machado, Alexandre e Andrey. Hoje, atuo em conselhos, representando inovação e acessibilidade, e continuo a palestrar sobre esses temas.

Quero convidar todos vocês a acompanharem minha coluna na plataforma EA Magazine. Ao longo dos próximos meses, compartilharei insights, experiências e dicas valiosas sobre acessibilidade, inclusão e inovação.

Até a próxima!

* A retinose pigmentar (RP) é uma doença hereditária que causa a degeneração da retina, resultando em perda gradual da visão

 

Thierry - Capacitismo: Minha jornada, minha resiliência

Thierry Cintra Marcondes é especialista em inovação, acessibilidade e impacto, com experiência em futurismo, tendências e desenvolvimento de tecnologias. Professor convidado na Fundação Dom Cabral, atua em cursos para executivos com foco em ESG e Inovação. Conselheiro em empresas e ONGs, é engenheiro mecânico (Unicamp) e fundador das startups Evolucar e Ávitus. Liderou programas de Acessibilidade na Accenture e Indústria 4.0 na L’Oréal, com vasta experiência em lançar produtos e promover acessibilidade como estratégia de negócio. Defende a inclusão dos surdos como catalisadores de novas tecnologias. Colunista EA “Vida acessível”.

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