Por Djairo Gonçalves

 

Positividade tóxica é o ato consciente ou inconsciente de negar, rejeitar ou reprimir o contato com emoções, sentimentos ou experiências rotuladas como negativas como incertezas, medo, culpa, vergonha, raiva etc.  A positividade tóxica se manifesta à medida que ignoramos ou reprimimos nossas emoções e sentimentos por meio de um insistente e mecânico modelo condicionado de pensamento positivo evitando assim entrar em contato com conteúdos difíceis de serem elaboradas ou socialmente reprovados.

Não há mal nenhum em demonstrar positividade e gratidão em nosso dia a dia, a questão é que a positividade tóxica, ao longo do tempo, inibe nossa capacidade de lidar com essas experiências negativas, que fazem parte da vida de todos os seres humanos.

Assim ela nos impede elaborar e superar momentos de dificuldades e estresse e, como consequência, nos impede de nos desenvolver como indivíduos. Segundo C. G. Jung, nossas experiências sensoriais, nossas vivências, são a base de nossa formação como indivíduos e nos fortalecem ao longo de nossa jornada. Jung, se refere em sua obra ao “animal reprimido” como uma metáfora para nossos conteúdos psíquicos e nos alerta que “esse animal quando reprimido não se domestica, ao contrário, se torna mais selvagem” e busca incessantemente formas e oportunidades para sobressair, “nos tomar e atuar” por meio de nossos comportamentos.

A melhor maneira de elaborar esses conteúdos é reconhecer que eles existem.

Acreditar que eles fazem parte de nossa natureza, escavar e entender suas origens, acolher, dar voz e dialogar com cada um deles e, por fim, integrar cada uma dessas partes de nós mesmos de forma segura, gentil e amorosa.

Relacionamentos e a positividade tóxica

Em nossos relacionamentos pessoais a positividade tóxica impede a criação de conexões verdadeiras na medida em que deixamos de ouvir as questões do outro de forma legítima e verdadeira e esperamos, ou nem esperamos. A oportunidade de despejar sobre o outro os nossos pontos de vista, o ponto de vista do nosso “pequeno eu” ou, quem sabe, abrir o dicionário de frases inspiradoras e motivadoras muitas vezes vazias de conteúdo, de compreensão, de empatia, de compaixão e, até mesmo, vazias de respeito ao estado emocional do outro.

Quem nunca foi interrompido com uma frase do tipo “Eu sei o que você está passando, mas vai dar tudo certo, já deu! Você só precisa confiar!” Ou então algo do tipo “Isso não é nada, você é muito maior que isso!” ou algo ainda pior “Você é tão bonita, vai fazer alguma coisa, para com essa história de depressão!”

Assim, o caminho a ser seguido normalmente será o da falta de confiança, da fata de uma comunicação clara, verdadeira, sincera e acolhedora que, em minha opinião, é uma das bases para o fortalecimento de qualquer relacionamento.

E no trabalho…

Já no ambiente corporativo a positividade tóxica pode desmotivar pessoas, enfraquecer e desmontar equipes, tornar o ambiente organizacional tóxico, gerar um clima de desconfiança e insegurança que pode levar à perda de produtividade, baixa autoestima dos colaboradores, sem falar nos níveis de estresse, no índice de absenteísmo e alta rotatividade que, certamente, se refletirá não só na cultura organizacional da empresa mas também na perda do conhecimento do negócio e, certamente no resultado do negócio.

Entenda, não estou falando de paternalismo ou cuidado excessivo, eu bem sei que que o mundo corporativo pressupõe, entre outras coisas, aprimoramento constante e resultados positivos.

Estou me referindo a relações profissionais sérias, maduras, verdadeiras e responsáveis. Para não passar em branco, será que alguém além de mim já ouviu, depois de um dia extremamente estressante algo do tipo “Vamos lá, é só ter um pouco mais de garra, um pouco mais de foco, eu confio em você!” Não seria melhor ter ouvido algo como “Eu percebi que o dia foi bem estressante e vi o quanto você se empenhou. Como posso te apoiar para que esses objetivos se tornem mais tangíveis?”

Essa simples frase está recheada de simbolismo e habilidades que todo líder deve desenvolver ao longo de sua carreira.

Na Psicologia Analítica a positividade tóxica impacta nosso processo de individuação, um dos pilares centrais do desenvolvimento humano proposto por Carl Gustav Jung. A individuação é o caminho pelo qual nos tornamos verdadeiramente quem somos integrando aspectos conscientes e inconscientes de nossa personalidade, ou como é comum dizer, “integrando nossa sombra”. Quando um relacionamento, uma organização ou uma sociedade incentiva, espera, manipula ou impõe que as questões ditas negativas sejam reprimidas em ordem de determinado padrão de comportamento ou de uma realidade desejada, não estamos apenas impedindo o autoconhecimento e o autodesenvolvimento de cada ser humano, estamos criando indivíduos mental e emocionalmente doentes.

Para proteger a nós mesmos e àqueles que amamos da positividade tóxica é fundamental cultivarmos hábitos emocionais saudáveis em todos os nossos relacionamentos, sejam eles quais forem (paternos, fraternos, amorosos, pessoais, profissionais etc.).

Desta forma, saberemos reconhecer e “dar os nomes corretos” às nossas emoções e aos nossos sentimentos e aos sentimentos do outro. Praticar a escuta ativa, a comunicação não violenta, buscar espaços de acolhimento, atividades físicas adequadas e procurar profissionais que possam colaborar com a redução da pressão, da necessidade ou mesmo do hábito de ser exageradamente positivo.

Por fim, precisamos ter em mente que a positividade tóxica, mesmo que bem-intencionada, pode ter efeitos profundos e prejudiciais nas relações pessoais e profissionais impedindo nosso processo de individuação e nos tornando seres humanos mental e emocionalmente doentes e desconectados de nós mesmos.

 

djairo e1726689094986 - Você já ouviu falar em positividade tóxica?

Djairo Gonçalves é psicoterapeuta com orientação Junguiana, e hipnoterapeuta. Atua apoiando pessoas em suas questões pessoais e profissionais. Realiza treinamentos, palestras, encontros e retiros com foco no aprimoramento de habilidades comportamentais (soft skills). Pós-graduado em Psicologia Analítica com MBA na Westminster University, Salt Lake City, USA. Pós-graduado em Marketing (ESPM-SP) com graduação em Administração de Empresas (Universidade Metodista). Mais de 25 anos trabalhando no segmento Financeiro e em consultorias estratégicas e de Recursos Humanos. Colunista EA “Espaço Caleidoscópio”.

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